A arte do Graffiti #PraCegoVer: A emocionante experiência ao lado de kelly S. Reis no Beco do Batman

No dia 18 de janeiro, tive o privilégio de visitar um dos locais mais icônicos de São Paulo: o Beco do Batman, na Vila Madalena. O dia foi especial para mim, principalmente porque acompanhei de perto o projeto Graffiti #PraCegoVer, uma iniciativa que torna a arte urbana acessível às pessoas com deficiência visual. Estava ali para presenciar o término da segunda edição dessa proposta e para conhecer a talentosa artista Kelly S. Reis, responsável pelo mural.

 

O ambiente estava carregado de uma energia vibrante. O Beco do Batman, conhecido por ser ponto de encontro para grafiteiros e apreciadores de arte urbana, estava ainda mais especial naquele momento. Cada “spryada” e cada traço tinham um significado profundo, e a emoção de Kelly ao finalizar sua obra era visível. Tive a oportunidade de acompanhar o processo de finalização de perto e percebi o quanto a sua arte é marcada por histórias, sentimentos e transformações.

 

Poucos dias depois dessa experiência, tive a chance de realizar uma entrevista online coma artista, onde pude saber mais sobre sua trajetória, o projeto e motivações. A conversa foi enriquecedora e, ao longo da entrevista, Kelly compartilhou detalhes sobre seu trabalho e os desafios de criar uma arte inclusiva, acessível não apenas aos olhos, mas aos outros sentidos, como o tato, para quem tem deficiência visual.

 

 

De Abre Campo para o mundo

 

Nascida em Abre Campo, uma pequena cidade mineira, Kelly cresceu em Sericita, também em Minas Gerais. Desde muito jovem, demonstrou paixão por desenhar. Ela recorda com carinho de quando desenhava mapas, uma atividade que fez parte de sua infância e que a conectava com os primeiros passos da arte.

 

Eu gostava de desenhar e sempre fui influenciada pelos seriados japoneses, como Machine Man e Jaspion, que me impactaram muito. A filosofia dos animes também me trouxe um olhar diferente sobre o mundo e me fez questionar o sentido das coisas, uma reflexão que me acompanha até hoje”, compartilhou Kelly com nostalgia.

 

Quando se mudou para São Paulo, teve a oportunidade de expandir seus horizontes artísticos. O acesso a novas referências e materiais a impulsionou em sua jornada criativa. A descoberta do grafite, no entanto, só aconteceu mais tarde, após anos de estudo formal em Educação Artística, quando ela finalmente entendeu onde seu trabalho se encaixava: nas ruas, nos muros, longe da limitação de uma tela.

 

Foi em 2014 que uma amiga me convidou para fazer meu primeiro grafite. Eu, que tinha vontade de fazer parte desse movimento, mas acreditava que, por não ser do hip hop, não poderia, acabei me entregando à experiência. Foi libertador. O grafite não é só uma arte, é uma forma de expressão. Foi ali que encontrei meu verdadeiro lugar”, disse com entusiasmo.

 

Ao longo dos anos, consolidou sua trajetória e seu trabalho começou a ganhar projeção. Hoje, suas obras podem ser vistas em locais como o famoso Beco do Batman, em São Paulo, onde deixou sua marca com murais que dialogam com inclusão e diversidade. Mas sua arte não parou por aí. Kelly já participou de festivais de grafite em várias cidades brasileiras, como Belo Horizonte, Salvador e Florianópolis.

 

Além do Brasil, seu trabalho rompeu fronteiras e chegou a outros países. Ela grafitou em espaços urbanos no Chile e Peru, onde teve a oportunidade de trocar experiências com artistas locais. Ela lembra com carinho da recepção calorosa que recebeu em Lima (Peru), onde seu mural, inspirado na força da mulher afro-indígena, ganhou destaque em uma galeria a céu aberto.

 

Cada lugar que visitei me trouxe um aprendizado único. O grafite me levou a conhecer culturas e pessoas que eu jamais imaginaria. Pintar fora do Brasil foi um divisor de águas. É incrível ver como a arte conecta e cria diálogos em qualquer idioma”, contou.

 

Com sua trajetória cada vez mais sólida, a artista continua a explorar novas possibilidades no grafite, sempre buscando criar obras que não apenas encantem visualmente, mas também toquem as pessoas e provoquem reflexões.

 

 

Um mural sensível e acessível a todos

 

Quando foi convidada para participar do projeto Graffiti #PraCegoVer, sabia que seria um grande desafio, mas também uma oportunidade única. O projeto visa criar murais que não sejam apenas visualmente impactantes, mas também sensoriais, com a proposta de serem acessíveis.

 

Relembrando como planejou sua obra, destaca a importância de criar texturas que permitam que qualquer pessoa, independentemente da visão, interagisse com sua arte.

 

Sempre gostei de representar mulheres, especialmente as afro-indígenas, pois elas têm uma conexão profunda com minha própria história. Quando pensei no mural para o Graffiti #PraCegoVer, queria trazer essa figura feminina, mas de uma maneira sensorial. Pensei que a arte precisa ser algo que se sinta, que se toque, não apenas que se veja”, explicou ela.

 

O mural criado pela artista foi planejado com cuidado e sensibilidade. Ela escolheu elementos facilmente identificáveis pelo tato, como um rosto humanizado, plantas, mariposas e flechas. A ideia era garantir que essas formas pudessem ser reconhecidas por pessoas com deficiência visual, sem que a obra perdesse sua essência artística.

 

Eu sabia que as texturas precisavam ser distintas, para que as pessoas pudessem sentir a profundidade das formas. O cabelo da personagem, por exemplo, é feito de linhas mais orgânicas, enquanto o fundo do mural tem um relevo mais suave, que remete ao céu e às nuvens”, explicou.

 

O mural traz texturas e elementos em alturas acessíveis, permitindo que qualquer pessoa, independentemente da estatura, pudesse desbravar o desenho. Além disso, a curadoria do projeto fez questão de garantir que o tamanho do mural favorecesse a acessibilidade, evitando a necessidade de esforço físico excessivo para alcançar áreas mais altas ou distantes.

 

 

Cores, formas e simbolismos: A filosofia por trás da arte

 

A escolha das cores e formas no mural da Kelly também não foi aleatória. Cada elemento foi pensado para transmitir uma mensagem específica. O roxo, cor predominante na obra, carrega um significado profundo para a artista: ele simboliza a espiritualidade livre, sem amarras a dogmas religiosos. A artista, que sempre teve uma relação de curiosidade com diversas crenças e filosofias espirituais, viu no roxo uma maneira de expressar essa busca pela liberdade e transformação.

 

O roxo é uma cor associada ao misticismo e à espiritualidade, mas eu quis mostrar que ela pode representar muito mais do que isso. Ela é, para mim, uma cor que simboliza transformação, uma mudança de perspectiva”, explicou.

 

Além do roxo, o vermelho também desempenhou um papel importante na composição. Essa cor, presente em elementos como as plantas e a mariposa, remete à força, à vitalidade e à proteção.

 

Queria que o mural fosse não só uma representação da mulher, mas também uma mensagem de empoderamento. A planta que usei, chamada ‘Comigo ninguém pode’, é uma planta de proteção, que traz força para quem a toca.”

 

No final do nosso bate-papo, Kelly reforçou que o mundo é para todos e que cada pessoa tem o direito de apreciá-lo.

 

O mundo vai se adaptar cada vez mais a vocês. Os ambientes são para todos. A arte é para todos. Para os artistas, eu digo: qualquer pequeno esforço para tornar seu trabalho inclusivo faz a diferença. Desde uma descrição até uma obra tátil ou uma conversa sobre o que você quis transmitir. Pode ser desafiador, mas com amor, verdade e pesquisa, é possível construir algo verdadeiramente inclusivo e acessível.”

 

Essa experiência reforçou em mim a certeza de que a arte tem o poder de transformar realidades e aproximar universos. O trabalho de Kelly é um exemplo de como dedicação e sensibilidade podem criar algo profundamente significativo para todos. E essa é uma mensagem poderosa!

Mari Chagas

Mari Chagas

Jornalista

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Sou colunista da Mosaiky, uma mulher com deficiência que vive há 28 anos com paralisia cerebral. Aprendi a transformar meus desafios em inspiração. Sou influencer digital PCD de Americana, interior de SP.

 

Amo comunicação, estudo jornalismo e tenho uma grande paixão por narrativas autênticas. Produzo conteúdos e publico em jornais, além de ser ativa nas redes sociais e aqui na minha coluna. Adoro arte em todas as suas formas de expressão, dança, leitura e escrita. Aprecio viajar e participar de aventuras radicais. Meu lema de vida é: “viva intensamente!”.

 

Minha determinação é destacar vozes que merecem ser ouvidas, através do meu trabalho que também é meu propósito de vida. Conecte-se comigo no Instagram @mari_chagasoficial ou por e-mail: marichagas@mosaiky.com.br.

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