As pessoas com deficiência (PcD) são tratadas em hospitais e consultórios constantemente de forma superficial, o que torna a experiência no sistema de saúde marcada por preconceito, desvalorização, desumanização e infantilização.
Nas consultas médicas os médicos falam conosco como se fossemos crianças, ou, pior, nos ignora dirigindo a fala ao acompanhante. Essa cena parece absurda, mas infelizmente é real. Muitos profissionais da saúde veem todas as deficiências como sinônimo de limitação cognitiva e não é bem assim. Cada deficiência tem suas particularidades e se apresenta de forma diferente a cada indivíduo que é singular. Ignorar a capacidade do paciente de tomar parte ativa nas decisões sobre seu tratamento, sem antes buscar conhecer a pessoa e a sua deficiência, histórico e se possui algum comprometimento cognitivo ou dificuldade de comunicação, pode ser considerada uma atitude capacitista.
Capacitismo é um preconceito que leva a infantilização e desumanização das pessoas com deficiência.
Ele ocorre devido a preconceitos enraizados na sociedade. Os profissionais, mesmo treinados para tratar todos com igualdade, muitas vezes, agem de maneira diferente com PcD, como se não pudessem compreender ou tomar decisões sobre suas próprias vidas, por falta de conhecimentos específicos de como lidar com as PcDs.
Outro aspecto preocupante é a negligência em relação a problemas de saúde das PcDs, sendo comum ouvirem a frase: “isso é comum para quem tem sua condição”. Simplesmente afirmam sem ao menos investigar profundamente os sintomas, pois apesar da possibilidade de existir comorbidades relacionadas as deficiências e riscos inerentes, é importante que cada pessoa seja examinada individualmente e ouvidas em suas queixas. Essa atitude capacitista desrespeita o paciente e também pode ser perigosa e negligente.
A deficiência não deve ser vista como uma explicação automática para qualquer sintoma. As probabilidades existem, mas precisam ser investigadas conforme os sintomas apresentados no determinado momento.
Todos têm direito a um atendimento completo e atento, mas quando enxergam apenas a deficiência, deixam de considerar a pessoa em sua totalidade. Isso impede que recebam um tratamento adequado e personalizado, o que pode resultar em diagnósticos errados, tratamentos ineficazes e, em alguns casos, complicações de saúde e risco de vida.
Capacitismo fere os direitos humanos
O capacitismo na saúde vai além da forma como os profissionais tratam os pacientes. Mesmo em ambientes hospitalares com infraestrutura acessível, o atendimento, inúmeras vezes, não é verdadeiramente inclusivo. Rampas de acesso e elevadores podem estar presentes, mas a comunicação e o cuidado no atendimento ainda deixam a desejar. Consultas médicas podem se tornar momentos de constrangimento para aqueles que necessitam de adaptações ou cuidados mais específicos, chegam fragilizadas fisicamente e acabam saindo ainda mais, já que, infelizmente, são afetadas fisicamente e psicologicamente.
Falar de forma condescendente, evitar o contato visual ou adotar um tom paternalista, são comportamentos que refletem despreparo. Esses gestos podem parecer pequenos, mas demonstram a falta de sensibilidade dos profissionais e capacitação, e reforçam a ideia de que a PcD é vista como menos capaz. Para o paciente, o impacto é significativo. Além de não receber o atendimento necessário, saímos da consulta com a sensação de não termos sido tratados com respeito.
A questão da autonomia
Um dos maiores desafios enfrentados pelas PcDs na área da saúde, é a questão da autonomia. Todos devem ter o direito de tomar decisões sobre suas próprias vidas, incluindo as relacionadas à saúde, se possuem capacidade cognitiva e de compreensão do seu estado de saúde.
Em casos de precisar de suporte familiar, a pessoa adulta com deficiência, deve ter a oportunidade de participar das decisões junto a família e ser ouvida, bem como possui o direito de ouvir o parecer médico para tanto. No entanto, o capacitismo frequentemente mina essa autonomia.
As decisões que são de interesse do paciente, geralmente são tomadas por familiares, cuidadores ou pelos próprios médicos, excluem a PcD do processo de tomada de decisão, como se não tivesse capacidade de escolher o que é melhor e possível para si.
Essa realidade é injusta. A deficiência não reduz a capacidade de alguém de ser o protagonista de sua própria vida. As PcDs conhecem seus corpos e suas necessidades, e devem ser ouvidas.
A transformação desse cenário passa pela conscientização. Médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde precisam ser capacitados para entender que a deficiência é uma característica, e nem sempre uma limitação de inteligência ou de capacidade de decisão, existem vários tipos de deficiência e nem todas apresentam deficiência cognitiva.
O atendimento deve ser realmente inclusivo, oferecer respeito, dignidade e consideração ao paciente em sua totalidade. Afinal, PcDs não pedem piedade ou tratamento especial, mas sim o mesmo respeito e dignidade que qualquer outro paciente espera.
Para isso, é fundamental que as instituições de ensino, que formam esses profissionais, incluam em seus currículos a temática da inclusão de pessoas com deficiência e psicologia para desenvolvimento de técnicas de escuta e compreensão das histórias de vida. O treinamento contínuo e a sensibilização são passos essenciais para garantir que o capacitismo seja eliminado do sistema de saúde.
A verdadeira cura na área da saúde está na erradicação do capacitismo. Só assim poderemos construir um sistema inclusivo e justo para todos.
Lembre-se: A deficiência não diminui a capacidade de alguém ser protagonista de sua vida, mesmo com suportes. A mudança começa com o fim do capacitismo e com o respeito que todos merecem.