Acessibilidade nos games: O futuro inclusivo dos videogames para pessoas com deficiência

Quero compartilhar o privilégio que tive de visitar a carreta totalmente inclusiva do Cine Rodas em Porto Ferreira (SP) e prestigiar a edição especial “Cine Geek”, que visitei no dia 14 de setembro. Essa edição trouxe uma viagem fascinante pela história dos videogames, desde os primeiros consoles em dimensões 2D, até as tecnologias mais recentes, como a realidade virtual com dimensões em 3D, que impressionam não só pela inovação, mas também pelas possibilidades de acessibilidade.

 

Para falar sobre todos esses assuntos, tive a oportunidade de conversar com o Murillo Denardo, meu colega de trabalho na Mosaiky, que é diretor de arte, produtor musical, designer de games por formação e faz muito mais por nós da empresa do que possam imaginar com suas habilidades múltiplas, sensibilidade, prestatividade e amor pela nossa causa: “a inclusão”.

 

Honrando a filosofia da nossa empresa que é inclusiva em 360 graus, nosso querido Murillo, como todos da nossa equipe, é uma pessoa com deficiência, apresenta baixa visão.

 

Murillo, fez a gentileza de compartilhar comigo sua paixão por jogos. Contou que cresceu apaixonado por videogames e ofereceu uma visão valiosa sobre como a acessibilidade no mundo dos jogos tem evoluído e o quanto isso pode impactar a vida de pessoas com deficiência (PCD). Exploramos juntos como as novas tecnologias estão abrindo portas para um público que, por muito tempo, foi deixado de fora, além de discutirmos os desafios e as barreiras que ainda precisam ser superados para que o universo dos games seja, de fato, acessível para todos.

 

Murillo, que cresceu jogando videogames nos anos 1990, recorda como, naquela época, quase não existiam recursos voltados para a acessibilidade.

 

Era um pouco frustrante tentar jogar meus games favoritos nos consoles, as TVs ‘de tubo’ não eram muito boas e a interface visual dos jogos muitas vezes não era amigável para pessoas com baixa visão. Se formos falar dos portáteis o problema era ainda maior, pois as telas eram pequenas, as fontes eram difíceis de ler e não havia ajustes que facilitassem a jogabilidade para quem tem baixa visão”.

 

Naquela época, as necessidades de jogadores com deficiência eram amplamente ignoradas pelas empresas desenvolvedoras de games, o que tornava a experiência desafiadora e excludente, infelizmente.

 

Apesar da falta de acessibilidade nos jogos, a paixão do Murillo pelos jogos permaneceu inabalável e só aumentou. Ele foi estudar design de jogos, apesar de não atuar diretamente com desenvolvimento, acompanha esse universo das grandes desenvolvedoras. Seu olhar atencioso e conhecimento, enriqueceram muito as experiências na exposição do projeto Cine Game, pensada minuciosamente para promover inclusão a todos. Tanto que descreve os games como uma forma de escape e conexão com outras pessoas e compartilha a própria experiência como ilustração.

 

Minha deficiência visual me limita no mundo real, mas, curiosamente, sinto que meus olhos funcionam melhor em telas digitais. Com a tecnologia LED atual, consigo me divertir muito com jogos de console e computador! Porém, nem tudo são flores, a experiência com portáteis e principalmente com smartphones ainda é um pouco desagradável para alguém com baixa visão.”

 

Assim, nos revelou uma relação profunda, especial e satisfatoriamente inclusiva que teve com o universo dos jogos, que emociona em conhecer as possibilidades únicas que os jogos podem propiciar aos PCDS, mas também sugere que ainda existe uma longa jornada de acessibilização pela frente.

 

Com o tempo, a indústria começou a reconhecer a necessidade de mudanças. Em 2020, Murillo testemunhou uma das maiores revoluções na acessibilidade dos games com o lançamento de The Last of Us – Part 2. “Foi um marco”, lembra ele. O jogo trouxe uma série de recursos inovadores para jogadores com deficiências visuais e auditivas, permitindo que pessoas cegas pudessem jogar com facilidade inédita.

 

Fiquei impressionado com o nível de detalhamento das opções de acessibilidade. Era algo inédito.”

 

Entre as ferramentas de acessibilidade, Murillo destaca as sobreposições de cores para melhorar a visibilidade e os recursos sonoros que ajudam a guiar o jogador no ambiente.

 

Foi o primeiro jogo em que senti que alguém pensou em mim e nos outros jogadores com deficiência”, compartilha ele, emocionado.

 

 

Avanços na acessibilidade dos jogos

 

Nos últimos anos, algumas desenvolvedoras de jogos têm feito esforços significativos para tornar seus títulos mais inclusivos. O Xbox Adaptive Controller, lançado pela Microsoft, é um excelente exemplo. O dispositivo foi projetado para ser personalizável e permitir que jogadores com diversas deficiências físicas adaptem os controles de acordo com suas capacidades. Essa inovação representou um marco e inspirou outras empresas a seguir o mesmo caminho.

 

O Xbox Adaptive Controller abriu portas para pessoas com deficiência e posso afirmar por experiência o quanto os jogos adaptados podem contribuir também para o desenvolvimento humano em vários aspectos.

 

Esse sistema teve um impacto direto na minha vida. Quando eu era pré-adolescente, ganhei um Xbox do meu avô – que foi indicado pelo meu fisioterapeuta na época. Esse console me ajudou muito, especialmente na parte de equilíbrio e consciência corporal. Amava passar meu tempo jogando boliche e tênis de mesa nos feriados e nas férias. Esses jogos, de forma leve e divertida, ajudaram na minha reabilitação física.

 

Assim como eu, muitas pessoas com deficiência podem encontrar nos jogos uma forma não apenas de lazer, mas de desenvolvimento pessoal e conexão com o mundo. A tecnologia pode e deve continuar evoluindo para que todos possam desfrutar desses momentos de experiências, sem barreiras.

 

The Last of Us Part II continua sendo uma referência, com uma ampla gama de opções de acessibilidade, desde legendas customizáveis até ferramentas para jogadores com deficiência visual, como narração detalhada dos ambientes e navegação sonora. O jogo também oferece ajustes de contraste de cores e modos de jogo personalizados, permitindo que jogadores com deficiências motoras ou cognitivas adaptem a jogabilidade às suas necessidades.

 

Para Murillo, esses avanços são fundamentais.

 

É incrível ver como os jogos estão se tornando mais acessíveis, mas ainda há um longo caminho a percorrer. As desenvolvedoras precisam ouvir mais os jogadores com deficiência, entender que não estamos pedindo privilégios, mas igualdade de acesso.”

 

 

Controle e interface

 

Os controles adaptáveis são apenas um aspecto da acessibilidade. Desenvolvedores têm buscado criar interfaces mais intuitivas, com controles de voz, comandos simplificados e sensores de movimento. Essas inovações permitem que PCDs interajam com os jogos de maneira mais natural e eficiente, ao reduzir a complexidade dos comandos.

 

A personalização dos controles também é crucial. Jogos que permitem ajustar completamente as funções dos botões são fundamentais para uma experiência mais inclusiva. Isso possibilita que jogadores com deficiências motoras severas adaptem o layout dos controles e crie uma jogabilidade mais confortável e envolvente.

 

A capacidade de personalizar os comandos é essencial para jogadores com deficiência”, explica Murillo. “Muitas vezes, nossas habilidades motoras não se encaixam nos controles tradicionais, e é aí que essas opções de customização fazem toda a diferença.”

 

 

Acessibilidade para deficientes visuais e auditivos

 

Para jogadores com deficiência visual, algumas empresas, como a Ubisoft, estão introduzindo narração de menus e descrição de cenários, o que facilita a navegação. Além disso, a inclusão de contrastes ajustáveis e modos otimizados para daltônicos têm se tornado mais comuns, embora ainda haja desafios. Muitos jogos ainda dependem fortemente de estímulos visuais, o que continua a ser uma barreira para jogadores cegos ou com baixa visão.

 

Murillo reflete sobre essa questão.

 

Os jogos ainda dependem demais de estímulos visuais. Jogos modernos do estilo RPG (Role Playing Game), em geral, são mais amigáveis com pessoas de baixa visão, pois, em sua maioria, são mais focados nas histórias e a gameplay acontece no tempo do jogador, o que já não é a realidade de muitos jogos do estilo Shooter por exemplo, principalmente os que possuem a visão em primeira pessoa, pois exigem que eu veja detalhes minúsculos na tela, juntamente com uma interface gráfica de usuário muito discreta, o que acaba sendo uma barreira significativa.”

 

 

Desafios e caminhos futuros

 

Apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito. A colaboração entre jogadores com deficiência e desenvolvedores é crucial para o progresso contínuo. Observamos que, obviamente, muitos dos melhores recursos de acessibilidade foram criados com a contribuição direta de PCDs.

 

Nós, jogadores com deficiência, sabemos o que funciona e o que não funciona. se as empresas nos ouvirem mais, o processo de inclusão será muito mais rápido e eficiente”, sugere Murillo.

 

A acessibilidade nos videogames não se trata apenas de incluir mais pessoas, mas de garantir uma experiência verdadeiramente democrática e inclusiva. Para muitas PCDs, os jogos são uma fonte vital de lazer, socialização e superação. Garantir que esse público tenha as mesmas oportunidades de imersão e diversão é uma questão de justiça e reconhecimento da diversidade humana.

Mari Chagas

Mari Chagas

Jornalista

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Sou colunista da Mosaiky, uma mulher com deficiência que vive há 28 anos com paralisia cerebral. Aprendi a transformar meus desafios em inspiração. Sou influencer digital PCD de Americana, interior de SP.

 

Amo comunicação, estudo jornalismo e tenho uma grande paixão por narrativas autênticas. Produzo conteúdos e publico em jornais, além de ser ativa nas redes sociais e aqui na minha coluna. Adoro arte em todas as suas formas de expressão, dança, leitura e escrita. Aprecio viajar e participar de aventuras radicais. Meu lema de vida é: “viva intensamente!”.

 

Minha determinação é destacar vozes que merecem ser ouvidas, através do meu trabalho que também é meu propósito de vida. Conecte-se comigo no Instagram @mari_chagasoficial ou por e-mail: marichagas@mosaiky.com.br.

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