Acessar é mais do que entrar — Um passeio entre arte, autonomia e respeito em São Paulo

Tem coisas na vida que parecem simples, mas carregam um simbolismo enorme. Foi assim com a minha primeira viagem a trabalho para São Paulo — sem ninguém da família por perto. Fui acompanhada pela Sueli Parisi, que foi super atenciosa e me deixou totalmente à vontade; e pelo Roberto Parisi, que nos guiou por essa imersão cultural com tanta sabedoria que parecia uma aula ao vivo sobre o que é viver a cidade, a arte e a inclusão.

 

Esse dia marcou um novo momento pra mim. Um dia que falou de trabalho, sim. Mas falou também de liberdade, confiança, pertencimento e o tipo de acessibilidade que vai além das rampas e placas — aquela que acolhe de verdade.

 

 

Pinacoteca: beleza, história… e algumas barreiras

 

Nosso passeio começou pela Pinacoteca de São Paulo, um dos museus mais tradicionais e importantes do país. A arquitetura é encantadora, o acervo é riquíssimo, e o ambiente, ao menos à primeira vista, parece convidativo para todos.

 

Mas, infelizmente, a realidade não é bem assim. Logo na chegada, o estacionamento já apresentou obstáculos: a circulação não é plena para pessoas com mobilidade reduzida, o que já cria um clima de alerta. Ao entrar, as portas internas pesadas dificultam o acesso de quem utiliza cadeira de rodas, bengalas ou outros apoios.

 

No interior do museu, uma instalação impactante se estendia do teto ao chão. Quem descia pelas escadas podia admirar a obra inteira. Mas quem chegava pelo elevador via só a parte superior — a parte de baixo estava bloqueada por uma barreira de aço escuro. Um detalhe que, para muitos, pode parecer irrelevante, para quem depende da cadeira de rodas representa a perda de parte da experiência artística. Um simples uso de material transparente, como vidro ou acrílico, já resolveria isso.

 

A visita à Pinacoteca foi agridoce: um espaço que transborda arte, mas que ainda precisa abraçar melhor a diversidade de corpos.

 

 

No cardápio, respeito

 

Depois de uma manhã intensa, fomos almoçar no Outback do Shopping Cidade São Paulo. E ali, no meio da correria da metrópole, veio uma das surpresas mais bonitas do dia.

 

O restaurante é bem estruturado e fisicamente acessível. Mas o destaque não foi apenas a estrutura — foi o atendimento com empatia. Quando pedimos para que minha carne viesse cortada, a garçonete simplesmente sorriu e trouxe o prato como pedimos, sem hesitação, sem perguntas invasivas. Foi leve, foi natural, foi respeitoso.

 

Pode parecer um gesto simples. Mas quando a gente vive tantas barreiras, ser bem tratada sem precisar justificar cada pedido é um verdadeiro respiro de inclusão.

 

 

Arte e simpatia — Bela aula no MASP

 

De lá, seguimos para o MASP, o Museu de Arte de São Paulo, com seu famoso vão livre e fachada imponente. Só de estar ali, sob aquele vão vermelho, já dá uma sensação de estar no coração da cultura brasileira. Mas foi dentro do museu que vivi uma das experiências mais significativas do dia.

 

Logo de cara, é possível perceber que o MASP pensa na acessibilidade de forma mais ampla. Elevadores funcionais, boa circulação entre os espaços, e sinalizações que facilitam o deslocamento. Mas o que realmente se destacou foi o cuidado com a forma como a arte é apresentada.

 

As obras estão dispostas em suportes transparentes, posicionadas no centro do salão, o que favorece a visibilidade para todos — inclusive para pessoas com deficiência. Em algumas exposições, há informações em áudios descrições através de vídeos explicativos acessíveis, permitindo que o conteúdo alcance mais públicos.

 

Foi uma lição prática: acessibilidade também é garantir que todos possam se conectar ao conteúdo, à mensagem e à beleza das obras — do seu jeito, no seu tempo, com os seus sentidos.

 

 

Autonomia e representatividade

 

Voltei para casa com o coração leve. Vivi um dia cheio de descobertas, de encontros com a arte e, principalmente, de autonomia. Me senti respeitada, acolhida e segura para ser quem sou — e para trabalhar com o que amo.

 

Mas voltei também com a certeza de que a acessibilidade precisa ser vivida de ponta a ponta. Um estacionamento mal planejado pode excluir tanto quanto a falta de braille em uma exposição. Uma porta pesada pode afastar tanto quanto um atendimento despreparado.

 

Por isso, sigo contando essas histórias — para que mais pessoas enxerguem o que ainda precisa mudar. Para que a inclusão deixe de ser um conceito e passe a ser prática, cultural, e parte da rotina. A acessibilidade que transforma não é a que aparece só na fachada, mas a que está presente do começo ao fim da experiência.

 

E eu sigo aqui: com a caneta celular na mão, o coração cheio e os olhos atentos. Porque ser acessível é, antes de tudo, acolher a diferença com respeito e dignidade.

Mari Chagas

Mari Chagas

Jornalista

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Sou jornalista, uma mulher com deficiência que vive com paralisia cerebral. Aprendi a transformar meus desafios em inspiração. Sou influencer digital PCD de Americana, interior de SP.

 

Amo comunicação, estudo jornalismo e tenho uma grande paixão por narrativas autênticas. Produzo conteúdos e publico em jornais, além de ser ativa nas redes sociais e aqui na minha coluna. Adoro arte em todas as suas formas de expressão, dança, leitura e escrita. Aprecio viajar e participar de aventuras radicais. Meu lema de vida é: “viva intensamente!”.

 

Minha determinação é destacar vozes que merecem ser ouvidas, através do meu trabalho que também é meu propósito de vida. Conecte-se comigo no Instagram @mari_chagasoficial.

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