A falta de visibilidade das paralimpíadas na mídia: Um desafio que precisa ser superado

Imagine por um momento que você é um atleta que se esforça intensamente para se tornar um competidor de elite, superar desafios diários, equilibrar esforços físico e mental, e trabalha arduamente para competir em um evento global. Para conseguir se tornar um atleta com deficiência (PCD), enfrentaria ainda mais obstáculos, desde as condições de treino, até a busca por reconhecimento e na maioria das vezes falta de patrocínio. No entanto, ao chegar lá, no seu momento de brilhar e mostrar ao mundo todo o seu potencial, recebe apenas uma fração da atenção que deveria. Essa, infelizmente, é a realidade enfrentada por muitos atletas paralímpicos.

 

As paralimpíadas são eventos de grande importância, não apenas para o mundo do esporte, mas como um símbolo de inclusão, superação e deveria representar também igualdade. Estes jogos oferecem uma plataforma para atletas com deficiência mostrarem suas habilidades extraordinárias, desafiam preconceitos e estereótipos profundamente enraizados na sociedade. Contudo, apesar de toda a grandiosidade e significado desses eventos, a realidade é que a visibilidade das paralimpíadas na mídia ainda é extremamente limitada.

 

Enquanto os Jogos Olímpicos atraem uma cobertura midiática massiva, ocupa as manchetes dos principais veículos de comunicação ao redor do mundo durante semanas, as paralimpíadas muitas vezes lutam para receber a mesma atenção. Esse desequilíbrio na cobertura não é apenas uma questão de quantidade, mas reflete uma diferença fundamental na forma como esses eventos são percebidos e valorizados pela sociedade, associações esportivas e pelas grandes marcas patrocinadoras.

 

Para muitos, essa falta de visibilidade pode parecer uma questão secundária, mas ela tem implicações profundas e amplas. A mídia tem o poder de moldar percepções e influenciar o discurso público. Quando as paralimpíadas recebem menos cobertura, os feitos notáveis desses atletas não chegam ao público da mesma forma e perpetua a ideia de que o esporte paralímpico é de alguma forma menos importante ou menos emocionante do que o esporte olímpico, assim muitas pessoas com deficiência deixam de ser representadas, bem como motivadas para práticas esportivas.

 

Além disso, essa falta de visibilidade limita a chance de os atletas serem vistos por possíveis patrocinadores, uma oportunidade essencial para melhorar suas condições de treino, qualidade de vida, e, consequentemente, a possibilidade de competir e em igualdade de condições. Sendo assim, privados de um reconhecimento vital, que poderia mudar suas realidades de vida para melhor.

 

 

Lacuna na inclusão e na integração

 

Para contribuir com o assunto, tive a honra de entrevistar o profissional Hermes Ferreira Balbino, um renomado educador físico, psicólogo especialista em esportes e professor universitário, com vasta experiência no mundo do esporte, especialmente no trabalho com atletas paralímpicos e apresenta uma perspectiva única sobre os assuntos que iremos explorar hoje.

 

Desde o início da sua carreira, Hermes demonstrou uma paixão profunda pelo desenvolvimento humano e pelo esporte. Conta que sua jornada começou como educador físico, focado em entender o funcionamento do corpo humano e como otimizar o desempenho físico. Porém, essa busca pelo conhecimento não parou por aí, se aprofundou na psicologia esportiva e percebeu que a integração mente-corpo é essencial para a performance de qualquer atleta.

 

O trabalho de Hermes com atletas paralímpicos começou a tomar forma no início de sua carreira, quando percebeu uma lacuna significativa na inclusão e integração dessas pessoas no esporte e declarou:

 

Vi o potencial transformador do esporte para pessoas com deficiência e decidi me dedicar a criar oportunidades para esses atletas não apenas participar, mas também se destacar”.

 

O entrevistado ressaltou a importância de um grupo de estudos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), liderado pelo Professor José Júlio Gavião, como fundamental em sua formação na área.

 

Tal experiência com o grupo da Unicamp, somada ao seu trabalho direto com atletas paralímpicos, especialmente a de Goalball, foi um divisor de águas:

 

Trabalhar com esses atletas me ensinou muito sobre resiliência, superação e a importância de um suporte integral – físico e mental – para que pudessem alcançar seus objetivos esportivos”. pontua.

 

Aponta como um marco em sua carreira a participação no Mundial de Goalball no Rio de Janeiro, onde pôde aplicar seus conhecimentos e testemunhar a força desses atletas em uma competição internacional.

 

No decorrer da trajetória profissional, buscou na psicologia mais compreensão e afirmou:

 

A psicologia sempre me intrigou, especialmente no contexto esportivo, onde a integração mente e corpo nos traz a visão do ser integral.”

 

Essa visão holística do esporte é algo que ele trouxe para o seu trabalho com atletas paralímpicos, com a compreensão de que o esporte paralímpico tem um potencial transformador não apenas para os atletas, mas para a sociedade como um todo.

 

“O esporte paralímpico é uma ferramenta poderosa de inclusão, integração e valorização. Ele mostra ao mundo que a deficiência não define uma pessoa e que, com apoio adequado, esses atletas podem alcançar feitos extraordinários”, enfatiza veementemente Hermes.

 

Ao falarmos de que maneira acredita que a falta de visibilidade da mídia nas paralimpíadas afeta a inclusão e o apoio a esses atletas, o entrevistado afirma a tese levantada.

 

A falta de visibilidade prejudica significativamente a inclusão e o apoio aos atletas paralímpicos. Sem a cobertura da mídia, eles perdem oportunidades de patrocínio, reconhecimento e suporte público. Isso perpetua a desigualdade entre esportes olímpicos e paralímpicos e diminui as chances de que mais pessoas com deficiência se inspirem a participar do esporte. A visibilidade é crucial para mudar percepções e promover uma cultura mais inclusiva”, explica. “Os atletas paralímpicos enfrentam desafios adicionais em comparação com os atletas olímpicos, como a falta de visibilidade, menores oportunidades de patrocínio e, muitas vezes, menos acesso a recursos de treinamento de alta qualidade. Além disso, eles lidam com questões de acessibilidade e preconceito, que ainda estão presentes em nossa sociedade”, completa o entrevistado.

 

Quando questionado sobre quais estratégias acredita serem eficazes para aumentar a cobertura da mídia e a visibilidade dos atletas paralímpicos, ressaltou:

 

Acredito que campanhas de conscientização e a criação de parcerias com a mídia são fundamentais. É necessário mostrar as histórias inspiradoras desses atletas, seus desafios e conquistas”.

 

Para ele, é importante ampliar a propaganda das oportunidades, pois diversas pessoas com deficiência desconhecem estas oportunidades oferecidas pelo poder público. Além disso, promover eventos e competições paralímpicas com a mesma seriedade e organização dos eventos olímpicos pode atrair mais atenção da mídia.

 

Incentivar escolas e universidades a incluírem a temática paralímpica em seus currículos também pode aumentar o interesse e a visibilidade”, sugere.

 

 

Políticas públicas inclusivas

 

Como Secretário de Esportes em Piracicaba-SP, Hermes já começou a implementar políticas públicas inclusivas para apoiar o esporte paralímpico em sua cidade. Estabeleceu um convênio com o Comitê Paralímpico Brasileiro de São Paulo para capacitação de professores, considera um passo importante para garantir que os atletas paralímpicos recebam o suporte adequado desde a base.

 

Pretendo continuar defendendo e implementando ações que aumentem a visibilidade e o apoio ao esporte paralímpico em Piracicaba, trabalhando em parceria com organizações locais, atletas e a comunidade”, conta.

 

Outro projeto, esse mais ambicioso, é o de criação de um centro de treinamento especializado para atletas paralímpicos em Piracicaba.

 

Esse centro não apenas oferecerá treinamento de alta qualidade, mas também será um espaço para promover a inclusão e a conscientização sobre o esporte paralímpico”, diz Hermes.

 

A questão da visibilidade na mídia é, portanto, central para o sucesso e a sustentabilidade do esporte paralímpico. Ao garantir que esses atletas recebam a atenção que merecem, podemos contribuir para uma sociedade mais justa e inclusiva, na qual todas as habilidades sejam reconhecidas e celebradas.

 

Para esse ideal de sociedade, fica a questão, por onde então podemos começar? Hermes responde de forma precisa:

 

A verdadeira mudança começa com a conscientização e a ação. Exigir mais cobertura e apoiar iniciativas que promovam a visibilidade dos Jogos Paralímpicos garantirá que todos os atletas tenham a oportunidade de brilhar e inspirar, tanto no palco global quanto em nossas comunidades locais”.

 

E para os jovens atletas com deficiência que sonham em alcançar sucesso no esporte, nosso entrevistado deixou uma mensagem encorajadora:

 

É importante buscar viver o direito à prática esportiva como uma forma de melhorar a qualidade de vida e de se mostrar ao mundo. Acreditem em seus potenciais e não deixem que os desafios sejam limitantes, mas alavancas para o crescimento pessoal e esportivo. O caminho pode ser difícil, mas é cheio de oportunidades para crescer e se superar. Com dedicação, perseverança e o apoio certo, é possível alcançar grandes feitos e inspirar outros a seguir seus passos. O esporte é uma ferramenta poderosa de transformação, inclusão e integração – mostrem ao mundo do que vocês são capazes”, motiva.

 

A conversa com o Hermes foi muito valiosa, deixou importantes mensagens, em especial que é necessário um esforço em conjunto de toda a sociedade para garantir que os atletas paralímpicos recebam o reconhecimento e o respeito que merecem. E isso começa com cada um de nós, ao exigirmos mais cobertura da mídia nas paralimpíadas e o desenvolvimento de políticas públicas inclusivas para promover o esporte paralímpico em todas as esferas da sociedade.

 

No entanto, a falta de visibilidade na mídia não se limita apenas aos atletas paralímpicos. Outro aspecto crucial que precisa ser abordado é a escassez de jornalistas com deficiência na cobertura desses eventos. A ausência de profissionais PCDs no jornalismo esportivo é uma lacuna significativa que contribui para a falta de representação e inclusão no próprio processo de produção de conteúdo, e já que estão no lugar de fala, com certeza poderiam representar os atletas PCDs com maior propriedade.

 

A presença de jornalistas com deficiência na cobertura das paralimpíadas pode trazer uma perspectiva singular e mais autêntica, ampliar a compreensão e possibilitar maior respeito pelo esporte paralímpico. É essencial que essas vozes sejam ouvidas e que as experiências desses profissionais sejam valorizadas.

 

Um dos meus maiores sonhos como futura jornalista, é justamente ocupar esse espaço na mídia para cobrir eventos com PCDs. Acredito que minha vivência como pessoa com deficiência me dá uma compreensão especial dos desafios enfrentados pelos atletas paralímpicos, além da minha paixão genuína em contar histórias de superação. Sonho em contribuir para uma cobertura jornalística que leve informação e inspiração, célebre e promova a inclusão, mostre ao mundo o verdadeiro valor do esporte paralímpico e de todos os seus atletas.

 

Enfatizo, o futuro do esporte paralímpico e de uma mídia mais inclusiva, depende de nossa ação hoje. Exigir mais cobertura, apoiar iniciativas que promovam a visibilidade e incentivar a inclusão de jornalistas com deficiência, são passos fundamentais para construção de sociedade mais inclusiva, na qual todos os atletas tenham a oportunidade de brilhar e inspirar, tanto no palco global, quanto nas comunidades locais que representam.

 

Espero um dia voltar aqui compartilhar com vocês esse sonho realizado, a notícia que estarei na cobertura das paralimpíadas!

 

Conversar com Hermes Ferreira Balbino trouxe ainda mais inspiração para continuar nas lutas junto com a minha equipe, por mais espaço e visibilidade para o universo PCDs como um todo, e compreensão da riqueza do universo do esporte como espaço de inclusão.

 

Agradeço imensamente ao Hermes por validar esse sentimento de lacuna na visibilidade e dos atletas PCDs, embasado em suas experiências e estudos, trazer soluções possíveis e reforçar a importância dessa causa.

 

Vamos juntos nessa jornada em busca do reconhecimento que esses atletas extraordinários merecem!
Mari Chagas

Mari Chagas

Jornalista

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Sou colunista da Mosaiky, uma mulher com deficiência que vive há 28 anos com paralisia cerebral. Aprendi a transformar meus desafios em inspiração. Sou influencer digital PCD de Americana, interior de SP.

 

Amo comunicação, estudo jornalismo e tenho uma grande paixão por narrativas autênticas. Produzo conteúdos e publico em jornais, além de ser ativa nas redes sociais e aqui na minha coluna. Adoro arte em todas as suas formas de expressão, dança, leitura e escrita. Aprecio viajar e participar de aventuras radicais. Meu lema de vida é: “viva intensamente!”.

 

Minha determinação é destacar vozes que merecem ser ouvidas, através do meu trabalho que também é meu propósito de vida. Conecte-se comigo no Instagram @mari_chagasoficial ou por e-mail: marichagas@mosaiky.com.br.

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